Brasil será líder na área energética, diz Jeremy Rifkin
16/11/2010

Economista americano prevê início da terceira revolução industrial.

Defensor de causas ambientais e de iniciativas de sustentabilidade empresarial, o economista americano Jeremy Rifkin é um ativista diferente. Professor da Wharton School, tradicional faculdade de administração dos Estados Unidos, sua militância se resume a aconselhar executivos de grandes corporações e chefes de Estado em todo o mundo. Já previu o esgotamento dos empregos por causa do advento de novas tecnologias e profetiza o fim da era do petróleo.

Aos 65 anos, Rifkin se dedica atualmente a ajudar a União Europeia a implantar o que chama de terceira revolução industrial. Trata-se de um plano que prevê a substituição, no longo prazo, do atual modelo energético baseado em combustíveis fósseis por fontes renováveis, com a tecnologia da internet como grande aliada.

O economista aposta que o Brasil será uma das lideranças globais na área energética nos próximos anos e terá papel fundamental na difusão de energia limpa na América do Sul. Segundo Rifkin, a adoção de novos modelos no setor energético é a principal receita da recuperação da economia mundial.

Rifkin estará em São Paulo nesta sexta-feira para participar do Prêmio Eco, iniciativa que premia ações empresariais de sustentabilidade. O evento é promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), com parceria do Valor.

Leia entrevista:

- Baseado em que o sr. diz que o mundo, hoje, passa por uma transição econômica?

Nos últimos três anos, dois grandes eventos mostraram que estamos perto do fim da revolução industrial baseada nos combustíveis fósseis. O primeiro, em julho de 2008, veio quando o barril do petróleo atingiu US$ 147. Os preços explodiram e influenciaram a economia global, porque tudo que é produzido hoje no mundo vem dos combustíveis fósseis. Os alimentos triplicaram de preço, uma situação muito perigosa num contexto em que 40% da população mundial vive com renda inferior a US$ 2 por dia. Quando o poder de compra é afetado por causa do petróleo podemos sofrer com a paralisação do motor industrial no mundo inteiro. Esse foi o terremoto econômico, enquanto a crise financeira, que veio 60 dias depois, foi aquele abalo posterior ao primeiro tremor.

- O outro evento, então, foi o colapso dos mercados financeiros?

Não, foi Copenhague. O momento em que a comunidade científica internacional alerta que o mundo acumulou tanto gás carbônico na atmosfera que caminhamos para riscos de mudanças catastróficas no planeta, talvez as maiores que os seres humanos já enfrentaram. O atual modelo de globalização baseado na indústria do carbono está chegando no limite. Já existem previsões de que em poucos anos o mundo já terá usado metade de suas reservas de petróleo, ou seja, vai ficar mais caro. O problema é que a energia continua vindo do carvão e dos combustíveis fósseis, China e Índia crescem com base nesse modelo. Mas se o preço do barril do petróleo chegar a US$ 147 de novo serão momentos de pânico. O mundo precisa de uma nova visão econômica, um plano revolucionário que seja poderoso o suficiente para superar riscos de crise.

- Qual é o plano?

Se olharmos para a história, a convergência entre energia e comunicação gerou grandes impactos econômicos. No século XIX, quando a tecnologia de impressão se tornou mais barata, foi introduzido o sistema de escolas públicas no mundo todo, primeiro passo para a criação de uma força de trabalho letrada em massa, com habilidades para lidar com as complexidade das demandas energéticas da época - o carvão, o vapor. No século XX, o telefone se tornou instrumento de comunicação avançado para gerir e controlar a segunda revolução industrial, que marcou a era do petróleo e a do automóvel. Atualmente as tecnologias baseadas nessas energias estão se tornando velhas rapidamente. O mundo precisa de renovação, por isso estamos no limiar da terceira revolução industrial. A internet aparece como tecnologia de comunicação revolucionária, porque é distributiva e colaborativa, enquanto a impressão, a TV, o rádio eram centralizadas. Isso é uma peça-chave para a tendência dos negócios atualmente.

- Qual a relação entre internet e o fim da era do petróleo?

Minha ideia é que esse modelo colaborativo e distributivo da internet possa ser convergente com novos regimes de distribuição de energias renováveis. Isso torna a ideia de terceira revolução industrial poderosa, porque terá um efeito multiplicador em todo o mundo, num processo que será liderado por Índia, Brasil e União Europeia.

Já está em andamento?

A União Europeia já se comprometeu com um planejamento bastante ambicioso de infraestrutura na direção da terceira revolução industrial. Eu sou um privilegiado por participar. A grande meta é passar a usar 20% de energia renovável na Europa até 2020. É uma corrida contra o tempo, governos e empresas já estão trabalhando.

- Como funciona essa terceira revolução industrial?

As atuais fontes de energia, como carvão, petróleo e urânio, são de elite, não estão disponíveis em qualquer lugar, demandam investimentos políticos, militares e de capital. Já a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar. Mas o importante é coletar nossa própria energia. Em 25 anos, milhões e milhões de prédios no mundo inteiro poderão ser convertidos em miniusinas, utilizando o sol, o vento, o calor debaixo do solo, para gerar energia limpa em forma de hidrogênio, que será armazenado como uma mídia digital. A forma de distribuição será inteligente e compartilhada como a internet, as redes de transmissão de energia renovável serão integradas.

- Na contramão do que o sr. fala, o Brasil está entrando em uma nova era do petróleo, com as descobertas da camada pré-sal.

O Brasil tem muita sorte em relação aos outros países do mundo e um poderoso papel no campo energético, principalmente na região onde está. Seu potencial energético limpo o transformará numa grande liderança mundial. O pré-sal tem de permitir uma transição limpa, usando as receitas do petróleo para subsidiar a construção da infraestrutura de energia renováveis. O país pode liderar esse processo na América do Sul.

Apesar de cortes, Europa investe em energia limpa

Jeremy Rifkin passou a última década como conselheiro da União Europeia para assuntos de economia, mudanças climáticas e segurança energética.

Antes da crise, o Parlamento Europeu aprovou sua ideia de terceira revolução industrial, que cria um modelo econômico baseado em energias renováveis. Agora, num momento de recuperação, o economista americano diz que os governos europeus não estão apenas tomando medidas de austeridade. Apesar do aperto, há recursos para o planeta.

"A Europa está se saindo muito melhor que os Estados Unidos, não vejo evidências de melhora da economia americana no curto prazo. A Europa é a grande força política no mundo hoje e está comprometida com uma transição econômica. Está colocando dinheiro nos projetos de economia de baixo carbono. Se os EUA decidir cortar estímulos e deixar o mercado resolver o problema, daqui um ano haverá pânico", acredita Rifkin.

Ele destaca a criação de um fundo público e privado de € 8 bilhões para projetos de armazenagem de hidrogênio no formato de mídia digital, com a energia distribuída pela internet. Rifkin estima em € 1 trilhão os investimentos em dez anos para a implantação de um modelo de geração de energia renovável na Europa.

Acostumado a falar aos ouvidos da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente francês, Nikolas Sarkozy, ele diz que seu conselho mais valioso é "pensamento de longo prazo". "O governo precisa ser eficiente, somente o mercado não pode criar a infraestrutura necessária para a recuperação econômica. É preciso cultivar o pensamento de longo prazo, olhar para a frente e perceber que estamos passando por um período de grandes transformações no mundo."

Rifkin também recomenda uma agenda de trabalho conjunto entre governos, empresas e sociedade. "Digo aos presidentes que eles precisam trabalhar em parceria para incentivar um novo modelo de infraestrutura, para ser colocada em prática nos próximos 10, 15 ou 20 anos. Se o olhar for de curto prazo, é bem provável que podem se perder oportunidades de investimento em opções que vão gerar milhões de empregos num cenário de crescimento sustentável".

(Luciano Maximo)
(Valor Econômico, 16/11)