Cientistas despertam atenção com trabalhos que vão da cura do Mal de Parkinson até a 'energia escura'.
O neurocientista Miguel Nicolelis pode receber um prêmio Nobel por seu trabalho sobre o mal de Parkinson. Outro brasileiro, o físico Daniel Vanzella, descobriu que a energia contida no vácuo é capaz de destruir estrelas. Gilberto Ribeiro desenvolve um resistor de memória capaz de mudar radicalmente o mercado de armazenagem de dados.
Ainda é raro encontrar cientistas e pesquisadores brasileiros como os da lista acima, que ocupam o topo da pirâmide acadêmica ou de inovação empresarial. O reconhecimento recente do trabalho deles, no entanto, mostra que há uma percepção internacional positiva sobre o trabalho de profissionais brasileiros, o que pode se traduzir em ganhos para a ciência no país.
Nos próximos meses, hospitais brasileiros podem abrigar a próxima fase do trabalho de Miguel Nicolelis sobre o Mal de Parkinson. Pela primeira vez, o tratamento proposto pelo neurocientista será testado em seres humanos. Em avaliação, estão instituições médicas em São Paulo e nos Estados Unidos.
Atualmente, Nicolelis divide seu tempo entre o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) e o Centro de Neurociência da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA). No ano passado, ele recebeu o prêmio NIH Director's Transformative R01, que concede US$ 4,4 milhões para aplicação em pesquisa, e o Director's Pioneer Award, de US$ 2,5 milhões. Os prêmios estão entre os mais cobiçados no meio científico e costumam indicar potenciais candidatos ao Nobel. Nicolelis foi o primeiro cientista a receber as duas premiações no mesmo ano.
Os recursos serão usados na pesquisa para a cura do mal de Parkinson, desenvolvida desde 2006. Nicolelis e sua equipe já haviam desenvolvido uma técnica para tratar a epilepsia, a partir de estímulos elétricos em regiões periféricas do sistema nervoso, quando perceberam que havia semelhanças no padrão de comportamento do cérebro dos portadores das duas doenças, conta o cientista.
Com a constatação, cobaias passaram a receber medicação para apresentar sintomas como os do mal de Parkinson. Depois, a equipe implantou uma prótese na medula espinhal das cobaias, que disparava estímulos elétricos. A paralisia muscular e os demais sintomas desapareceram.
Esse trabalho tem sido realizado tanto na Universidade de Duke como no IINN-ELS. "Já foram feitos testes com camundongos e primatas. Agora buscamos um parceiro clínico para fazer testes em pacientes", afirma Nicolelis. "Em dois anos será possível ter uma resposta categórica sobre o tratamento", diz.
Outra pesquisa surpreendente é comandada pelo físico Daniel Vanzella, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp e do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Vanzella e o doutorando William Lima publicaram, em abril, um estudo sobre a "energia escura" na "Physical Review Letters", a mais respeitada revista de física do mundo.
O artigo teve uma grande repercussão. Embora pareça uma fantasia tirada da série de filmes "Star Wars", a energia escura intriga o meio científico há muito tempo. Na física, existem duas grandes teorias sobre o universo: a da Relatividade Geral, que descreve a organização do universo em grande escala (estrelas, galáxias etc) e a Quântica de Campos, que focada na chamada pequena escala (ligações químicas, átomos etc). Físicos no mundo tentam, ainda sem êxito, unir as duas teorias. Vanzella e seu aluno se atiraram a esse trabalho com uma análise da "energia escura". Essa força, que faz o universo se expandir de forma acelerada, exerce uma forte pressão negativa, que seria contrária à gravidade.
Os cientistas partiram do princípio de que o vácuo é preenchido por partículas virtuais, como prótons, elétrons e fótons, que surgem e desaparecem em uma fração de segundo. Imaginava-se que a flutuação dessas partículas, por ser muito rápida, não gerava efeitos nos materiais macroscópicos. Vanzella e Lima descobriram, porém, que sob algumas circunstâncias o crescimento da energia do vácuo pode ocorrer de maneira exponencial e descontrolada, podendo destruir até uma estrela de nêutrons (a matéria mais densa já encontrada no universo).
Vanzella iniciou a pesquisa na Universidade de Wisconsin, nos EUA, mas só chegou à essa conclusão em São Carlos. Agora, ele procura responder, em seu pós-doutorado, o que ocorre com uma estrela quando a energia do vácuo "desperta". "Essas são questões conceituais sobre os fundamentos da física, mas que vão ajudar a trazer um melhor entendimento sobre a natureza", afirma Vanzella.
Antes de Vanzella, outro apreciador do espaço ganhou renome. Em 2006, Marcos Pontes, tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (FAB), hoje na reserva, participou de uma missão à Estação Espacial Internacional (ISS), com oito experimentos em microgravidade de universidades e institutos brasileiros. "No espaço, [nós, astronautas] somos as mãos e os olhos dos cientistas; executamos os experimentos", diz Pontes. Atualmente em Houston, na sede da Nasa, ele aguarda nova convocação para missões espaciais. "Espero ansiosamente por essa escalação", diz.
(Cibelle Bouças)
Nas companhias, talentos ajudam a criar produtos
Não é só nos laboratórios de ciência que o trabalho de profissionais brasileiros tem encontrado eco. Nos últimos tempos, vários nomes vêm se destacando na fronteira da inovação, a aplicação da pesquisa científica na criação de produtos capazes de facilitar a vida das pessoas ou criar novos hábitos de consumo.
Alex Kippman é um desses exemplos. Na Microsoftdesde 2001, ele foi um dos principais responsáveis pela criação do Kinect. Uma das principais apostas recentes da companhia, o sensor de movimentos conecta-se ao console de videogame Xbox 360 e permite interagir com os jogos só com o movimento das mãos, sem nenhum tipo de joystick.
Durante três anos, Kippman comandou a equipe de desenvolvimento do sistema, que chegou ao mercado em novembro. O projeto foi originalmente batizado de Natal, em homenagem à capital do Rio Grande do Norte, onde ele passou parte da infância. "Em latim, Natal quer dizer novos começos", diz Kippman.
Ele desembarcou nos Estados Unidos há 14 anos para cursar a universidade. A paixão pelos games, que começou aos cinco anos, motivou a mudança de país. "Eu queria ajudar a inventar a área e não só consumir o que era vendido", diz. Recrutado pela Microsoft ainda na faculdade, ele não se interessou muito a princípio. "Não era muito fã da empresa", conta.
Uma visita à sede da companhia em Redmond, no Estado de Washington, o fez mudar radicalmente de ideia. Desde então, Kippman trabalhou em diversas áreas da Microsoft, até ser convidado para comandar o desenvolvimento do novo controle.
Para o pesquisador, o fato de o Kinect dispensar o joystick abrirá novos mercados no futuro. "Um contingente de 40 milhões a 100 milhões de pessoas no mundo inteiro têm dificuldades para entrar no mundo do entretenimento por conta dos controles."
No laboratório da Hewlett-Packard (HP), em Palo Alto, na Califórnia, Gilberto Ribeiro está à frente do desenvolvimento técnico e científico de uma descoberta que pode mudar a forma como informações são armazenadas e processadas pelos computadores: o resistor de memória, ou "memristor".
Sob o comando de Ribeiro já estiveram 30 profissionais. Hoje, eles são 10. O pesquisador está envolvido no projeto há dois anos. Sua principal responsabilidade é avaliar onde e como a tecnologia será aplicada.
Entre os principais usos do componente estão a criação de formas de armazenamento de dados e a construção de computadores que funcionem nos mesmos moldes e velocidade do cérebro humano.
Antes de trabalhar na HP, Ribeiro esteve durante nove anos no Laboratório Nacional de Luz Síncontron (LNLS), em Campinas (SP). A mudança de endereço ocorreu depois que a verba para seus projetos foi cortada. "Percebi que era hora de buscar alguma coisa fora do país", afirma. Apesar de ter mudado para os EUA, Ribeiro mantém a ligação com o Brasil. Por intermédio dele, a HP firmou um acordo com o LNLS para trabalhar no desenvolvimento do "memristor".
(Gustavo Brigatto)
Falta de dinheiro, mão de obra e plano de carreira dificultam avanço no país
A produção científica no Brasil evoluiu de maneira contraditória no ano passado. O país ganhou uma posição no ranking SCImago de publicações científicas, elaborado pela SCImago Journal & Country Rank, subindo para a 14ª posição, com 34.145 publicações. O volume foi 12,4% maior que o registrado no ano anterior. O resultado, no entanto, ficou aquém da posição econômica do país - atualmente a oitava maior economia do mundo, com possibilidade de subir uma posição em 2011.
Ao mesmo tempo, o Brasil caiu 14 posições no ranking global de inovação tecnológica em 2010, passando a ocupar a 68ª colocação, de acordo com o Índice de Inovação Global, elaborado pela escola de administração Insead, em parceria com a Confederação da Indústria Indiana (CII).
Recursos financeiros escassos, déficit de mão de obra qualificada para algumas áreas da ciência e ausência de planos de carreira para pesquisadores nas universidades são alguns dos fatores que dificultam uma evolução mais célere da pesquisa científica brasileira, de acordo com os cientistas entrevistados pelo Valor.
Segundo dados preliminares do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2010 os investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento chegaram a R$ 44 bilhões, representando 1,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2009, os investimentos foram de R$ 51, 2 bilhões, o equivalente a 1,63% do PIB. Conforme o mais recente estudo comparativo de países divulgado pelo ministério, em 2008, o dispêndio em pequisa e desenvolvimento per capita no Brasil era de US$ 121,4 por habitante ao ano, ante U$ 1.307,60 nos Estados Unidos, US$ 1.168,50 no Japão, US$ 931,80 na Coreia, US$ 164,80 na Rússia e US$ 90,80 na China.
"A ciência ainda é um esporte de elite no Brasil", afirma o neurocientista codiretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University e diretor do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, Miguel Nicolelis. Na avaliação do cientista, nos últimos anos houve uma recuperação dos investimentos nas universidades, mas ainda faltam estímulos à pesquisa. Ele observa que a maioria dos pesquisadores brasileiros trabalha nas universidades públicas, mas não consegue se dedicar em tempo integral à pesquisa. "São todos professores e têm de dedicar 360 horas por semestre à licenciatura. Esse modelo atual tem de ser repensado", diz Nicolelis.
De acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, 2,6% da população ocupada (240,5 mil pessoas) no Brasil atua na área de pesquisa e desenvolvimento. Mas, desse total, só 133,3 mil são pesquisadores de fato. Dentre os pesquisadores, 56,8% estão nas universidades lecionando; outros 37,3% trabalham com pesquisa aplicada no setor privado e 5,1% estão concentrados nos institutos de pesquisa do governo.
O professor do Instituto de Física Teórica da Unesp e do Instituto de Física de São Carlos da USP, Daniel Vanzella, afirma que a falta de um plano de carreira para dedicação exclusiva à pesquisa não é o único problema nas instituições públicas. "A compra de equipamentos e material para a realização de pesquisas é feita por licitação. E como boa parte do material é importado, as pesquisas normalmente sofrem atrasos", observa Vanzella.
O astronauta Marcos Pontes afirma que a escassez de recursos financeiros, somada à falta de planos de carreira para pesquisadores e à pouca interação entre os setores público e privado fazem com que a pesquisa no país se desenvolva de maneira lenta. "Existe defasagem em áreas como nanotecnologia, materiais, dispositivos eletrônicos e microgravidade", diz. Ele observa que o crescimento econômico tem atraído investimento estrangeiro para a pesquisa, mas diz que é necessário estruturar melhor o sistema educacional.
(Cibelle Bouças)
(Valor Econômico, 4/12)